Crônicas por Pio Rezende
Morinelva Prudencina: O Filme da Sua Vida!
Era um local estranho...mesmo assim, aproximei da porta e chamei: “Ô de casa!”
Uma senhora de rosto envelhecido recebe sorrindo as pessoas que chegam na sua casa; um casarão antigo. Na sala, tem um botequim iluminado por lâmpadas coloridas. Gente simples e famosa frequentava o ambiente, onde mulheres se declaravam em nome do dinheiro. O lugar ficou conhecido como boate Vernezi Night.
Perto de encerrar suas atividades, a proprietária — Morinelva Prudencina — abre um caderno de anotações e começa descrever: O Filme da Sua Vida!
“Meia-noite, BR-452 ano de 1951. Eu voltava de viagem para a minha cidade, Araxá-MG. Juntamente com as colegas de escola, tinha participado de um evento esportivo em Uberlândia. No caminho, um rapaz entrou no nosso ônibus e sentou do meu lado, um espaço com duas poltronas, as últimas do lado direito (as minhas colegas estavam sentadas mais a frente).
O rapaz era muito bonito e logo começou a conversar comigo. Disse que se chamava Marcos Brem Vieira. Eu estava com 17 anos de idade, virgem e ingênua. No decorrer da conversa — não sei explicar isso direito — só sei que entreguei a minha virgindade ao desconhecido. Vivemos ali mesmo, dentro do ônibus, essa volúpia.
Chegando em Araxá, o rapaz escreveu num papel o seu nome e endereço: Marcos Brem Vieira, Rua Alprix nº 23, Vila Craide, Uberaba. Trinta dias depois, minha menstruação não veio e resolvi contar o ocorrido para uma amiga, Walsíria. Ela aconselhou a fazer um teste de gravidez.
Fiz o exame e deu positivo e revelei aos meus pais que ficaram furiosos. A partir daí, me pressionou exigindo que procurasse o rapaz para assumir a responsabilidade. E decidi procurar o Marcos Brem Vieira indo até Uberaba e andei o dia inteiro procurando por ele, mas não encontrei.
Já de tardezinha, de repente uma mulher chamada Miriam Carnebal veio ao meu encontro e disse: “quem você está procurando?” Respondi que procurava um rapaz pelo nome de Marcos Brem Vieira.
Ela falou, que eu não ia encontrar esse rapaz. Porém, me sugeriu uma proposta de trabalho, dizendo que tinha uma amiga em Belo Horizonte, que precisava de moças para trabalhar no seu dormitório (e passou o endereço do lugar).
Voltei para casa desiludida. Nos dias seguintes, continuei sendo pressionada pelos familiares. Foi aí que a minha vida se transformou. Larguei tudo, escola, família e fui para Belo Horizonte, tentar aquela proposta de trabalho.
Ao chegar no dormitório, indicado pela Miriam Carnebal, eram 11 horas da manhã. Uma rua estreita e no local estava escrito na parede: Ni-Ti-Ti Dancy. Achei o nome estranho. Notei que ali perto tinha outras casas com denominação estilosas: Casa My pleasure, Bim Tim Tim, Varandão Biriba Dancy. Elas possuíam luzes coloridas nas entradas e nunca tinham visto nada igual. Mesmo assim, aproximei da porta e chamei: “Ô de casa!”
Uma mulher de meia-idade abriu a porta. E eu disse: ‘fiquei sabendo que está precisando de moças para trabalhar?’ Ela confirmou! Contei toda a minha situação e recebi o seu apoio. Me pediu para chamá-la de tia Clerir e disse que durante a gravidez eu ia fazer só serviços domésticos.
Por volta das 15 horas, várias mulheres foram saindo dos quartos e perguntei à tia Clerir como funcionava o dormitório. Ela foi categórica: ‘filha, não se preocupe; aqui é um lugar onde ganhamos dinheiro’. Entendi que o local era um prostíbulo.
Num certo dia, indaguei à tia Clerir quem era a Miriam Carnebal. Ela respondeu: ‘não conheço ninguém com esse nome’. Isso me deixou pensativa... Uai! Elas não são amigas... quem era então essa Miriam Carnebal?
Meses depois, dei à luz a um menino e coloquei o nome de Venturin Prudencino. Então, a tia Clerir falou: ‘agora você terá que doar o seu filho, as autoridades não permitem crianças morando aqui'.
Transcorrido alguns dias, uma senhora adotou o meu filho. No dia seguinte, a tia Clerir revelou que estava em dificuldades e me pediu para atender os frequentadores da boate. Assim, não tive como escapar e entrei para a prostituição.
Passei a beber, fumar e atendia vários homens na noite. Depois de uma década se prostituindo, fiquei doente e fui internada num hospital. Nesse meio tempo, saí da boate da tia Clerir e aluguei este casarão; transformando na boate: Vernezi Night!
Vivendo nesse lugar, presenciei casos incríveis. Entretanto, o fato mais surpreendente que aconteceu na minha vida e que me deixou estarrecida, ocorreu há um ano: Após uma noite agitada (quando saiu o último freguês o dia estava amanhecendo), minutos depois, bateu na porta e chamou aos prantos.
Era um homem e uma mulher estranhos, aparentemente mais velhos do que eu. Estavam aflitos e ofereci água doce para acalmá-los. Seguidamente, a mulher perguntou sobre uma moça chamada Isadora Felarin. Respondi, que não conhecia. Disseram que essa moça era sua filha e havia fugido de casa. Eles agradeceram e saíram.
Sempre tive o costume de procurar os nomes das pessoas que visitam a boate. Assim que esse casal saiu, lembrei que não havia procurado o nome deles. Saí rapidamente na porta (já tinham atravessado a rua) então gritei: ‘Qual é o nome de vocês?’.
Os dois pararam e olharam um para o outro... Em seguida, o homem respondeu: ‘O meu nome é Marcos Brem Vieira e ela se chama Miriam Carnebal!’”